Filmes e peças ︎◆ J. K. Rowling

Rowling escreve artigo sobre sua relação com Steve Kloves

A nossa querida autora J.K. Rowling escreveu um artigo para a coluna “Written By” da edição de abril/maio deste ano da revista Writers Guild. Em seu texto, Jo conta como conheceu Steve Kloves, o roteirista das películas de Harry Potter, e detalha sua colaboração nos filmes e sua relação com Kloves, que perdura até hoje.

Primeiro, Steve virou para mim enquanto pedíamos a comida e disse baixinho, “Você sabe quem é meu personagem preferido?”. Eu olhei pra ele, que era ruivo, e pensei: “Você vai dizer Rony. Por favor, por favor, não diga que o Ron-Ron é muito fácil de amar”. E ele disse: “Hermione”. Neste ponto, por baixo do meu exterior reservado, suspeito, eu simplesmente derreti, porque se era a Hermione, ele entendeu os livros. Ele também, em grande âmbito, me entendeu.

Confiram a tradução completa do artigo na extensão!

JK ROWLING
Quando Steve conheceu Jo

Writers Guild ~ J.K. Rowling
Edição de Abril/Maio de 2011
Tradução: Bruna Thalenberg, Otávio Bergamini e Marina Anderi

A criadora de Harry Potter relembra sua colaboração com Steve Kloves

Eu fui mantida informada sobre as pessoas que estavam na corrida para adaptar o roteiro, mas não era uma escolha minha. Eu ouvi que a Warner estava interessada no Steve Kloves fazer algo para eles e estavam procurando por um projeto que o interessasse. Eu acredito que mostraram a ele algumas coisas. Ele disse que Harry Potter era o único que o interessou; Eu não acho que ele estava apenas sendo simpático.

Eu sabia que ele tinha escrito e dirigido Susie e os Baker Boys, que foi um chamativo, pois eu havia amado aquele filme e tudo sobre ele. De qualquer jeito, eu estava muito nervosa antes de conhecê-lo. Ele iria dar a luz ao meu bebê. Ele era um escritor de cinema renomado, o que era bastante intimidador. Ele também era norte-americano, e nós iríamos nos conhecer logo depois de uma análise do primeiro livro do Harry sair no (eu acho) New Yorker, que disse que não era provável que a linguagem britânica fosse traduzida para uma audiência americana. Você precisa lembrar que a minha primeira reunião na Warner Bros. não tomou lugar contra um pano de fundo de um enorme sucesso dos livros nos Estados Unidos. Embora os livros já fossem muito populares no Reino Unido, ainda estava no começo nos Estados Unidos, e eu, portanto, não tinha maneiras reais de sustentar minha opinião de que os fãs americanos do livro prefeririam não ter Hagrid “traduzido” para as telonas, por exemplo.

Steve e eu fomos apresentados em Los Angeles por David Heyman, o produtor, e nós quase imediatamente fomos para uma reunião na hora do almoço com um grande executivo do estúdio. Três coisas aconteceram em poucas horas que fizeram todas as inseguranças desaparecerem e que me fizeram adorar Steve, uma atitude que desde então não foi desviada em 13 anos estranhos.

Primeiro, Steve virou para mim enquanto pedíamos a comida e disse baixinho, “Você sabe quem é meu personagem preferido?”. Eu olhei pra ele, que era ruivo, e pensei: Você vai dizer Rony. Por favor, por favor, não diga que o Ron-Ron é muito fácil de amar. E ele disse: “Hermione”. Neste ponto, por baixo do meu exterior reservado, suspeito, eu simplesmente derreti, porque se era a Hermione, ele entendeu os livros. Ele também, em grande âmbito, me entendeu.

O almoço continuou, e o executivo sênior no momento dominou a conversa. Se tornou rapidamente óbvio para mim que apesar de todos os elogios que ele estava lançando aos livros, ele não havia lido uma página deles. (Uma fonte confiável depois me disse que o executivo havia lido “a cobertura”, que ele sempre achou que fosse mais útil do que realmente ler o material original).

Depois, ele começou a sugerir coisas que precisariam de mudanças, principalmente o caráter de Harry. “Não, isso não irá funcionar”, disse Steve com prazer. Quando o almoço terminou, David, Steve e eu fomos tomar café juntos. No caminho, Steve deu sua opinião de que você deveria dizê-los de primeira o que iria funcionar e o que não iria. Não havia ponto em mentir. Eu estava em um estado de profunda admiração.

Quando era hora de se despedir, eu escrevi meu email para Steve na parte de trás de uma nota fiscal amassada na minha carteira. Ele leu o endereço, depois virou a nota e disse “Penny Black- o que é isso?”, e eu disse “É a marca da blusa que estou vestindo”. Ele guardou a nota e sibilou, “Eu apenas gosto de saber coisas como essa”. Como nomes estranhos em pedaços de papel também me deixam temporariamente fascinada também, aquilo aguçou meu sentimento de que eu havia conhecido um espírito parente.

Uma coisa importante a se saber é que eu tinha completa confiança nele, a partir daquela uma reunião em L.A. Ele disse o suficiente durante aquelas poucas horas juntos para me convencer de que ele possuía uma conexão verdadeira com os personagens. Como nós concordamos mais tarde durante nossa conversa de email sobre os livros que durou mais do que décadas, quando você tira toda a magia divertida, os livros Potter são feitos de personagens, a nossa relação com eles e entre eles.

Sob a Capa da Invisibilidade

Nós começamos a trocar e-mails basicamente a partir do momento que eu voltei para a Escócia. Nós quase não falávamos ao telefone; na verdade, eu me lembro de ligar para ele uma vez da Alemanha, onde eu estava em tour, sobre algum problema no roteiro, e ele soou absolutamente deliciado de ouvir minha voz. Acho que ele havia esquecido que eu tinha uma. De qualquer jeito, com uma diferença de doze horas no fuso horário de Los Angeles e Edimburgo, e-mail era uma forma prática e bem sucedida de trabalharmos juntos.

Steve me perguntava coisas, às vezes sobre o pano de fundo dos personagens, às vezes sobre como ele achava que fazer um deles falar ou fazer algo era consistente com o que havia acontecido com eles ou o que aconteceria. Ele muito raramente tomou decisões erradas; na verdade, estou me esforçando para me lembrar de alguma ocasião em que ele tomou uma. Ele tinha um instinto fenomenal sobre o que cada personagem representava; ele sempre dava pouca importância a isso, mas fez algumas adivinhações certeiras sobre o que iria acontecer.

Na verdade, eu acabei de me lembrar da única vez que ele deduziu algo errado, e foi engraçado. Nós estávamos lendo o roteiro de Enigma do Príncipe em Leavesden, então nós estávamos sentados lado-a-lado no mesmo ambiente. Eu não tinha lido o último rascunho, então eu estava ouvindo-o pela primeira vez. Quando Dumbledore começou a falar sobre uma bela garota que ele havia conhecido em sua juventude, eu rabisquei DUMBLEDORE É GAY no meu roteiro e virei-o para Steve. E nós dois sentamos lá sorrindo por um tempo.

Eu não acho que ele já pressionou para saber o que vinha a seguir. Estranho, realmente, quando olho para trás; só que eu sinto que como um colega escritor, ele entendeu que eu precisava de um pouco de espaço. Chegou ao ponto onde meu lixo estava sendo procurado por jornalistas; ficar de boca fechada era uma maneira de me dar liberdade de criação. Eu não queria estar atada a expectativas que eu tinha levantado; eu queria estar livre para mudar de idéia. Mas eu contei a Steve algumas coisas. Eu costumava dividir o que eu estava fazendo enquanto estava fazendo. Eu me lembro de ter enviado um e-mail a ele enquanto escrevia Cálice de Fogo dizendo que tinha uma história do passado de Hagrid que eu queria colocar, mas estava imaginando se não era exagero, dado o tamanho que o livro teria. Ele respondeu o e-mail dizendo, “Você não pode me dizer muito sobre Hagrid. Coloque.” Então eu o fiz.

Inevitavelmente, coisas tinham que ser cortadas entre o livro e o filme. Isso nunca me incomodou. Steve é um cirurgião compassivo. Não podíamos fazer filmes de oito horas de duração, e eu preferia que ele tivesse segurado o bisturi a qualquer outra pessoa.

Tem sido uma relação intensa, forjada sob circunstâncias muito incomuns. Steve chegou o mais perto possível de estar dentro do mundo como eu – na verdade, ele esteve dentro do mundo comigo, mas sempre um ano ou dois atrás. Ninguém chegou mais perto do que isso. A colaboração total tornou isso único.

Ele se tornou um ótimo e verdadeiro amigo. Eu me lembro que, numa viagem anterior a Los Angeles, nós dois terminamos num bar de meu hotel, sentados na única mesa em que podíamos fumar, como um par de exilados. Eu disse a ele: “Você já sentiu como se fosse ser descoberto?” E ele riu e disse: “O tempo todo. O tempo todo.” Foi na mesma conversa em que ele me falou que Dumbledore era “sobrecarregado de conhecimento”. Então ele pode não ter acertado a sexualidade de Dumbledore, mas ele entendeu algo muito mais fundamental.

Hoje em dia nós não precisamos trocar e-mails para questões de trabalho – nós só fazemos isso para “sairmos juntos” no ciberespaço. Estou sempre tentando trazer ele e a família até a Escócia. Ele vai se encaixar bem, esse cara sardônico e sardento com uma ótima linha de humor negro. Ele me diz que trabalha melhor quando está chovendo; ele devia comprar uma casa de férias aqui.