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Bruxinho?

Nossa colunista, Pâmela Lima, continua nossa área de Crônicas com uma pergunta intrigante para os leitores: Harry Potter é a história de um bruxinho, como a mídia faz questão de plantar? Pode ser chamado de bruxinho um jovem que sofre como ele sofreu, que aprende a lidar com as perdas e a questão da morte e do amor? Confira você mesmo!

Se você ainda não leu Harry Potter and the Deathly Hallows e não quer saber de spoilers, não aconselhamos a leitura.

Você pode conferir a coluna completa aqui.

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Bruxinho?

Por Pâmela Lima

Talvez por ser um dos maiores sucessos das bilheterias. Talvez porque milhares de jovens aficionados gastam milhões com ele. Talvez porque as crianças lêem as suas histórias. É fato inegável: Harry Potter dá o que falar na imprensa. Vários jornais fazem especiais sobre ele, muitas reportagens e programas inteiros na televisão, blogs e sites para homenagear o bruxinho. Sim, é esse o termo: bruxinho. Assim, no diminutivo.

Bruxinho, aquele garoto que nasceu em um lindo mundo mágico, cheio de fadas, duendes, uma menina linda e inteligente e uns bons amigos com os quais ele apronta várias confusões com sua varinha de condão. Isso que Harry Potter virou nas mãos da mídia. Um conceito errôneo, insensível e muito lucrativo.

O Menino-Que-Faz-Mágica

Claro que, pensando superficialmente, Harry Potter realmente é a história de um bruxinho. Pelo menos até “Ordem da Fênix”, em que Harry faz 15 anos e deixa de ser uma criança para entrar na adolescência, com todas as crises nervosas e desesperadas que essa fase pode trazer.

Mas vamos tirar a capa que os filmes puseram em Harry e pensar no que o livro trata, de verdade. Harry nos fala, diretamente, sobre um menino que descobre que é bruxo e, mais tarde, descobre que é o bruxo mais famoso. Ele tem a avassaladora missão de salvar o mundo. Nada diferente do que todas as outras histórias de bruxos falam, certo? Errado.

A série trata de temas bem mais profundos. Começando pelo fato de Harry ser um menino órfão. Enquanto as outras crianças da escola são felizes ao lado de suas famílias, Harry sofre nas mãos dos tios. Ele quer ter alguém que o obrigue a comer os legumes, a fazer a lição de casa, dormir cedo e levantar cedo para ir para a escola. Todo mundo reclama dos seus pais. Aposto que você, que está lendo essa coluna, xingou mentalmente seus pais várias vezes quando era pequeno, querendo que eles saíssem do seu pé e, se possível, da sua vida. Mas Harry não. Harry queria uma família. Por isso que quando ele e Rony se conhecem ele se apega imediatamente ao ruivo: porque ele tem de sobra o que Harry não tem, e vice-versa. Molly é a típica mãe, que tricota suéteres, faz bolos caseiros e manda os filhos vestirem um casaquinho quando está frio lá fora. Artur é o pai atrapalhado, que faz mil coisas que a mãe não aprova mas educa bem os seus filho. E todos os irmãos de Rony são daqueles engraçados, divertidos, que sempre estão juntos quando precisam. O sonho de Harry.

Outro tema abordado é o valor do amor. No mundo de hoje um tema “sentimentalóide” desses não faria sucesso nenhum. Mas Harry Potter fala do tema de uma maneira muito interessante: O amor passa a ser magia, magia poderosa e antiga. Não é a primeira vez que esses termos são usados para se referir ao amor, mas pela primeira vez é usado com o objetivo de atingir um público de menor faixa etária. O amor é o motivo de Harry ter sobrevivido. O amor fez com que Rony e Hermione nunca abandonassem Harry de verdade. O amor fez Harry ter coragem de seguir em frente, sempre pensando no bem estar de todos aqueles com quem vivia, e o amor foi o que selou a proteção sangüínea de Harry. O amor era o poder que Harry tinha e Voldemort desconhecia. Voldemort não podia tocar em Harry porque Harry tinha amor demais. Magia antiga e poderosa. Deveria ser tratado assim fora dos livros também.

O preconceito é mais um assunto tratado. Enquanto no mundo real o preconceito se volta contra negros, asiáticos, judeus, muçulmanos e todos que não forem da raça ariana, no mundo bruxo o preconceito está, literalmente, no sangue. O trio principal é a primeira amostra de como a autora quer bater de frente com o preconceito: Rony, o sangue puro; Harry, o mestiço; Hermione, a sangue-ruim. Rony, que supostamente seria protegido pelo seu status sangüíneo, é acusado de trair o sangue. Seu pai trabalha para proteger os trouxas e não deixar que eles descubram sobre os bruxos e toda a sua família compactua com trouxas. Para piorar, a traição do sangue fez os Weasleys serem riscados de sua árvore genealógica, sendo deserdados. Ou seja, são traidores e pobres. Mas Rony sempre se mostra maior que isso, não ligando para o sangue dos seus amigos. Porém, fica muitíssimo chateado por ser pobre e só ter vestes e materiais de segunda mão. A tristeza de Rony é tanta que os amigos não sabem consolá-lo. Já com Hermione as coisas são mais problemáticas. Ela é desprezada por ser a única bruxa da sua família, sendo considerada incapaz de realizar bons feitiços. Assim ela passa todo seu tempo vago estudando mais do que qualquer outro aluno da escola, para conseguir sempre as melhores notas e provar para si mesmo e para os outros o quanto eles estavam errados. Harry é o que menos sofre com o preconceito. O único que o condena por ser mestiço é Monstro, mas Monstro condena todo mundo por qualquer coisa. Ele e todos os Blacks são os maiores exemplos de preconceituosos da série, e todos, com exceção de Sirius estão ao lado de Voldemort de um jeito ou de outro.

Mas o assunto mais difícil que a série trata é a morte. A morte é vista de todos os ângulos possíveis e é “aplicada” em personagens de todas os sangues. Harry vê o lado mais misterioso da morte em Hogwarts, junto com os vários fantasmas do castelo. Murta-Que-Geme, a fantasma do banheiro feminino, se orgulha de ter morrido. Já Nick-Quase-Sem-Cabeça se acha covarde por não aceitar a morte. O Eleito também conhece a dor de ter alguém querido morrendo, durante a série inteira. Lílian, Tiago, Sirius, Cedrico, Dumbledore, Olho-Tonto, Remo, Tonks… É uma experiência difícil e dolorosa sempre. Ele pensa em quanto poderia ter aprendido com cada um, em quanto eles o teriam apoiado, em quanto eles eram importantes. Se sentiu sozinho e desamparado cada vez que um deles foi embora. E em “Relíquias da Morte” Harry se vê mais uma vez ao lado da morte, quando a Sala Precisa pega fogo. Ele olha para os destroços e vê Draco Malfoy, seu grande inimigo, sendo consumido pelas chamas. E surpreendendo todos, esquecendo as desavenças e o mal que o garoto lhe fazia, Harry salva-o da morte.

No mesmo livro a morte é apresentada ao lado de outra questão, uma tanto mais delicada: O sacrifico. Ele é visto em Pedra Filosofal, sendo que Lílian se pôs na frente de Harry e morreu no seu lugar. Mas agora Harry se vê em frente ao auto-sacrifício. Ele deve morrer para proteger os outros, deve morrer para que ninguém mais morra. Morrer por um bem maior. Então, pela primeira vez, Harry entende o que sua mãe sentiu. Ele vê todos os que ama em perigo e se põe na frente deles. Pensando em seus amigos e, principalmente, em Gina, ele encontra a morte. Ou quase encontra. Aquele sacrifico, feito no início da série, que lhe garantiu a maior proteção que existe, salva-o novamente.

Em fim, Harry Potter conta mais do que uma história. Harry Potter fala sobre virtudes, princípios, força, coragem, valores, honra e a busca eterna pela felicidade. Nada de bruxinhos.

O Menino-Que-Rende

O caso é que não renderia anunciar Harry Potter pelo que ele é, exatamente. Não aqui no Brasil, pelo menos. Imagine:

“Uma linda história de amor, coragem… e morte”

Não teriam milhares de pais levando seus filhos para o cinema com um anúncio assim. A história de “bruxinho arrumando altas confusões” é consideravelmente mais atraente para o público infantil, e funciona bem na tela.

É mais fácil e proveitoso dedicar-se a elaborar os mais fantásticos efeitos especiais e contratar os mais belos atores do que incluir nos roteiros cenas dramáticas e cheias de emoção psicológica, certo?

E mais: a maioria das pessoas que escrevem para grandes jornais não perderia seu tempo lendo um livro que está na prateleira de infantis na livraria. No máximo, leriam para os seus filhos. Então toda a informação que eles têm vem das informações passadas pela Warner e cia., que sabemos qual é através das adaptações.

A palavra “infantil” afasta as pessoas de forma considerável, deixando-as envergonhadas por estarem fazendo algo infantil. É como C.S. Lewis fala em “Três Maneiras de Escrever para Crianças”:

“A visão moderna, a meu ver, envolve uma falsa concepção do crescimento. Somos acusados de retardamento porque não perdemos um gosto que tínhamos na infância. Mas, na verdade, o retardamento consiste não em recusar-se a perder as coisas antigas, mas sim em não aceitar coisas novas.”

Lembrando que Lewis tinha cinqüenta anos e escrevia livros para crianças.

O Menino-Que-Sobreviveu

Mas parece que mesmo com toda essa enganação que a mídia tem em Harry Potter, a mensagem que JK Rowling queria passar não se perdeu completamente. Muitas das emoções transmitidas pelos livros estão sendo passadas em frente agora que ele terminou. Existem até comunidades no orkut que fazem campanhas do tipo “Passe Harry Potter para Frente!”, querendo propagar a cultura potteriana.

Afinal, Harry Potter não é o bruxinho para nós.

Harry é a história que nos fez gargalhar com as peripécias de dois gêmeos muito espertos.

Harry é a história que nos fez chorar lágrimas incessantes com a morte de Dumbledore, Sirius, Lupin, Tonks e Dobby.

Harry é a história que nos ensinou que existe todo o tipo de coragem, e que precisa-se de coragem para enfrentar nossos inimigos e coragem dupla para defender nossos amigos.

Harry nos ensinou que não vale a pena viver sonhando e esquecer de viver.

Harry nos ensinou que devemos amar intensamente, pois o amor salva vidas.

Harry é a história que nos fez descobrir que talvez um bruxinho tenha mais que mostrar do que um AbraKadabra.

Essa sim é a verdadeira magia de Harry Potter.

Pâmela Lima é estudante.