J. K. Rowling

JK Rowling concede entrevista ao “El Pais”

JK Rowling concede entrevista ao "El Pais"JK Rowling concede entrevista ao "El Pais"

Como haviamos noticiado anteriormente, JK Rowling, autora da série Harry Potter, foi entrevistada pelo jornal El País. Na única entrevista concedida a um meio de comunicação espanhol, a criadora da multimilionária saga do menino bruxo fala sobre diversos assuntos.
A escritora falou sobre temas gerais, tais como a adolescência atual e as eleições norte-americanas, como não poderia deixar de falar sobre sua obra, ela comentou sobre os sete livros da saga que a tornou famosa. Sobre a criação da série, JK declarou:

“O mero feito de haver escrito o primeiro livro me salvou a vida. Dizem-me sempre que o mundo que criei em ‘Harry Potter’ é irreal, e foi disso que me serviu para me evadir. Não era como se o meu mundo fosse mágico, mas todos os escritores se evadem, mas eu não fazia isso só para fugir da realidade, antes para esclarecer assuntos que me preocupavam, como o amor, a perda, a separação, a morte, e tudo isso que se reflete no primeiro livro”.

Família e trabalho é o que faz a autora feliz e considera-se “sortuda por ter filhos, que são os mais importantes de tudo, contudo, é difícil conciliar o escrever com ser mãe”, afirmou.

O lançamento do primeiro livro de “Harry Potter” trouxe à vida de JK Rowling algo que nunca sonhara. Para além do dinheiro, que admitiu ser ‘extraordinário’, a autora deparou-se com a atenção da imprensa britânica e a perca de privacidade. “Tudo isso me deu muito medo”, confessou a escritora.

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JK ROWLING
JK Rowling concede entrevista ao “El País”

El País
10 de fevereiro de 2008
Tradução: Bruno Sloompo
Revisão: Virág Venekey

J. K. Rowling (Bristol, Inglaterra, 1965), Jo para os amigos, tem o mesmo olhar, aterrado e feliz, de Harry Potter, sua personagem de ficção. Escreveu o primeiro livro porque necessitava, e continuou escrevendo, até o número sete, sem olhar para os lados, sem se fixar no gigantesco número de adeptos, crianças, jovens, adultos, que ao acaso fizeram deste enorme livro de magia e realidade o maior best-seller da história.

Harry Potter é seu herói: lhe salvou, e lhe deixou uma seqüela emocionante: abandonou-o, mas não pode viver sem ele. Disse-nos esta última terça-feira pela manhã em Edimburgo, onde vive há anos, na única entrevista que concedeu a um meio (de comunicação) espanhol.

Levamos-lhe um queijo asturiano, para lembrar-lhe seu prêmio “Príncipe de Astúrias da Concórdia”, e cumprimentos da fundação que dá esses prêmios.

Alguma vez falou, em suas entrevistas, de outro grande solitário como ela, de Francis Scott Fitzgerald. Pareceu-nos oportuno começar por aqui, a falar com ela da solidão e da morte, e da melancolia, que são os assuntos que dominam o último livro de Harry Potter, por um acaso, seu maior orgulho.

Pergunta: A senhora costuma falar de Scott Fitzgerald, um melancólico.
Resposta: Sim, falei dele para fazer uma distinção entre um escritor que por natureza e talento teve o impulso de escrever e que não pôde compartilhar essa necessidade de escrever com sua vida social. Mencionei-o porquê nestes dias tão mediáticos parece que existe a obrigação de que o escritor seja uma personagem pública. No meu caso, as pessoas pensam que, como sou uma escritora reconhecida, deveria ser boa dando entrevistas e saindo nas câmeras. As pessoas esperam ver você se deleitar em programas de televisão e que goste de ser uma personagem pública, um fantoche. Mas não o sou. Gosto da vida de escritora. Desfruto da solidão.

Pergunta: É curioso, às vezes em Harry Potter, sobretudo nos últimos lançamentos, que há um grau de melancolia, e de solidão, que lembra Fitzgerald.
Resposta: Sem dúvidas. É a melancolia que nasce de um pesadelo. E Scott Fitzgerald teve dois pesadelos: o pesadelo de seu talento e sua necessidade de criar; e o pesadelo de sua vida privada, que era catastrófica. Esses dois pesadelos são suficientes para levar ao alcoolismo em um pulo.

Pergunta: Esses pesadelos podem vir dessa época entre a infância e a adolescência, quando chegam os fantasmas e ficam contigo para sempre.
Resposta: Sim, acho que os adolescentes estão muito próximos da morte. Sentem que lhes impressiona tanto que, para eles, a morte está a um passo. São pessoas muito frágeis. Na Grã-Bretanha há uma cultura de medo com os adolescentes em geral. E não deveria ser assim. Teríamos que estar lhe protegendo em lugar de nos proteger deles.

Pergunta: Fale da morte. Nos livros seis e sete de Harry Potter a morte aparece não só como palavra ou pensamento, mas sim como uma possibilidade, uma evidência e uma realidade.
Resposta: O plano sempre foi esse, que a morte aparecesse aí. Desde que era criança até o capítulo 34 do sétimo livro, Harry é obrigado a ser um homem mais velho assim que se vê frente à sua inevitável morte. O plano era que ele devia ter contato com a morte, e com a experiência da morte. E sempre foi Harry, só que deveria ter essa experiência. Planejei tudo com consciência, porque o herói tem que viver coisas, fazer coisas, ver coisas por sua conta. É parte desse isolamento e dessa melancolia que você sofre sendo um herói.

Pergunta: Esse capítulo 34 (“Deitado com o rosto no carpete empoeirado do gabinete, onde no passado ele pensara estar aprendendo os segredos da vitória, Harry compreendeu, por fim, que não devia sobreviver.”) parece o começo de Cem anos de solidão, de García Márquez.
Resposta: Você é muito gentil.

Pergunta: É um livro sobre a morte, e obviamente sobre a solidão, como o seu… A personagem de Cem anos… acompanha seu avô a ver o gelo, e a senhora leva Harry a visitar a morte…
Resposta: Para mim, esse capítulo é a segredo de todos os livros. Tudo, tudo o que escrevi, foi pensando para o preciso momento em que Harry se embrenha na floresta. Esse é o capítulo que eu havia planejado durante 17 anos. Esse momento é o coração de todos os livros. E para mim é o verdadeiro final da história. Embora Harry sobreviva, disso nunca houve dúvidas, ele chega a alcançar esse estado único e muito raro que é aceitar sua própria morte. Quantas pessoas têm a possibilidade de aceitar sua morte antes de morrer?

Pergunta: É uma experiência muito próxima de todos. Quando alguém viu a morte em uma pessoa próxima se pergunta como será esse olhar que nunca mais veremos, o que acontecerá depois.
Resposta: Definitivamente. E me parece fantástico que apesar de todos saberem que morreremos, a morte segue sendo um mistério. Pensamos que a morte é algo secreto que ocorre com poucas pessoas. E rapidamente alguém próximo morre e então cai a bomba. Harry tem um entendimento precoce da morte, muito antes desse capítulo 34. E isso tem um evidente paralelismo com minha vida. Se alguém próximo de você morre, como morreu minha mãe, torna-se explícito de que a morte chega para todos. E é algo com o que você terá de viver para sempre.

Pergunta: Vivemos em épocas sombrias e tristes, o que diz a senhora em seus livros, e neste especialmente. Como vive a senhora esta época?
Resposta: Tenho que acreditar na bondade das pessoas. Acredito que as pessoas são, por natureza, boas. Mas atualmente sigo de muito perto a política americana. Estou obcecada com as eleições nos Estados Unidos. Porque terá efeitos profundos no resto do mundo. A política exterior dos Estados Unidos nos últimos anos afetou, infelizmente, tanto o seu país quanto o meu.

Pergunta: E se tivesse uma varinha mágica, quê faria?
Resposta: Quero um democrata na Casa Branca. E é lamentável que Clinton e Obama tenham que ser rivais porque ambos são magníficos.

Pergunta: Esta manhã ao entrar no hotel, vi que segurava o The Times na mão, e na capa havia uma foto de Hillary chorando.
Resposta: Bom, era uma lágrima pequenininha. E ela pode se dar ao luxo de uma lágrima de vez em quando. A vida política é muito dura para uma mulher. Se você não chora, é uma filha da puta. E se chora é fraca. É difícil. Em troca, é aceitável chorar para um homem.

Pergunta: Solidão, morte. Falamos de coisas sombrias. Talvez tenha tudo a ver com literatura.
Resposta: Bom, acho que foi Tolkien quem disse que todos os livros importantes tratam sobre a morte. E há algo de verdade nisso, porque a morte é nosso destino e devemos afrontá-la. Tudo o que fazemos na vida é uma tentativa de negar a morte.

Pergunta: A senhora disse que via sua alma como algo que não padece.
Resposta: Sim, é verdade. Mas também disse que tenho muitas dúvidas sobre a religião. Sinto-me atraída pela religião, mas ao mesmo tempo sinto muita incerteza. Vivo em um estado de fluxo espiritual. Acredito na permanência da alma. E isso fica refletido no último livro.

Pergunta: O que lhe faz feliz?
Resposta: A família e o trabalho, obviamente. Considero-me tão sortuda em ter uma família… Meus filhos estão acima de tudo, são os mais importantes. Embora seja muito difícil concliliar o escrever com o ser mãe.

Pergunta: Antes de vir vê-la pedi ao roteirista espanhol Rafael Azcona que me desse uma pergunta para fazer à senhora, e ele me respondeu que perguntaria a sua neta Sara, de seis anos, que é fanática por Harry Potter.
Resposta: Isso é legal.

Pergunta: Mas a senhora disse que seus livros devem ser lidos a partir dos sete anos.
Resposta: Bom, minha filha mais velha tinha seis anos quando começou a lê-los. Sempre soube aonde ia com os livros. Então sim, penso que uma criança de seis anos pode entender o primeiro livro (Harry Potter e a Pedra Filosofal) embora o final seja bastante sombrio. O quinto livro é o mais sombrio de todos porque há uma ausência de esperança, há uma atmosfera opressiva. E acho que por isso as pessoas não gostaram tanto. Embora haja leitores que prefiram este livro a todos os demais, mas são uma estranha minoria. O quinto, o sexto e este último não acho que sejam adequados para uma criança de seis anos.

Pergunta: E quando escreveu o primeiro, pensou em um leitor enfático?
Resposta: Esse é o problema. Eu o chamava de conto infantil porque a personagem era uma criança. Mas sempre foi uma criança que quis fazer crescer. A no final tornou-se um homem, um homem jovem, mas um homem. Isso é o incomum nos livros infantis: que o protagonista cresça. E me alegra grandemente que as pessoas continuem lendo e desfrutando dos livros. Eles cresceram com Harry Potter. Mas nunca pensei nos adultos como possíveis leitores.

Pergunta: Peter Mayer, o editor, que foi o primeiro que escutei falar de Harry Potter na Espanha, disse que o segredo do sucesso é que a série haja se convertido em uma leitura para adultos.
Resposta: Sim, é incrível. Só agora sou capaz de olhar para trás e me dar conta de tudo. Durante 10 anos não me permiti pensar nisto. Acho que o fiz para me proteger. É muito difícil viver com essa pressão, mas vivia negando os fatos constantemente. Depois de cada publicação fiz um esforço para não ler nenhuma crítica.

Pergunta: A literatura salva as pessoas, ou as ajuda salvar-se. Como o escrever afetou a senhora?
Resposta: Direi-lhe uma coisa. A mim me salvou a vida o mero ato de escrever o primeiro livro. Sempre me dizem que o mundo que inventei é irreal, foi isso que me serviu para escapar. Sim, é verdade, é irreal até um ponto. Mas não porque meu mundo fosse mágico, mas sim porque todos os escritores se evadem. Além do mais, eu não o fazia só para escapar mas sim porque procurava esclarecer-me com assuntos que me preocupavam. Assuntos como o amor, a perda, a separação, a morte… E tudo isso está refletido no primeiro livro.

Pergunta: E que deu-lhe esse primeiro volume?
Resposta: Postos em um nível prosaico, escrever esse livro me deu a disciplina, o enfoque e a ambição, que naquele momento se reduzia simplesmente a ver o livro publicado.

Pergunta: Como foi o dia da publicação?
Resposta: Vi meu sonho virar realidade. Foi um momento maravilhoso. Não podia acreditar, estava excitada. E de um modo quase que de imediato me senti como se um trem estivesse me empurrando a toda velocidade por detrás, como um desenho animado. Pensei: “Que me aconteceu?” Três meses mais tarde recebi um adiantamento astronômico, segundo meus padrões de vida naquele momento. Nessa época, alugava um apartamento, não tinha seguro, nem economias. Usava roupa de segunda mão. Sabe, o dinheiro cada vez mais escasso, e ter dinheiro de repente foi extraordinário. Essa noite não pude dormir. No dia seguinte começaram a aparecer jornalistas, me deram um prêmio importante, chamaram o The Sun para comprar os direitos sobre a história da minha vida, e os jornalistas começaram a rondar enfrente à minha casa. E lhe direi uma coisa: aquilo me deu muito medo.

Pergunta: Por isso tem medo dos jornalistas até hoje?
Resposta: Não, não tenho medo deles. Lembro de dois jornalistas em particular que pressentiram minha incredulidade e minha vulnerabilidade e me ajudaram. Um deles me disse que tinha todo o direito de manter minha filha isolada da imprensa, porque sempre me neguei a levá-la comigo às entrevistas e que lhe tirassem fotos. Estou-lhe falando da imprensa desse país, do Reino Unido. Assim é que funciona.

Pergunta: Seus livros parecem que estão cheios de segredos pessoais.
Resposta: Tendo a usar datas significativas. Quando preciso de uma data ou um número, uso algo que está relacionado com minha vida pessoal, não sei por que faço isso, é um tic nervoso. O aniversário de Harry é o meu, por exemplo. Os números que aparecem ou as datas que vêm nos livros têm relação comigo.

Pergunta: Escrever o primeiro livro a excitou. E a pressionou o sucesso, saber que milhões de pessoas esperavam seus textos?
Resposta: Levei muito a sério não pensar nisso. Obviamente, houve momentos nos quais algumas notícias se filtravam, sobretudo durante os livros quatro e cinco. Aí sim que notei a pressão, e acho que se torna evidente na escrita.

Pergunta: Como a senhora se encontrava?
Resposta: Quando cheguei ao quarto livro estava muito cansada. Havia produzido um livro por ano durante quatro anos, enquanto criava minha filha só, sem babá, nem ajuda de nenhum tipo. Sentia-me exausta. E realmente pensei: “Já não posso mais, tenho que parar”. E disse isso ao meu editor, que se continuasse assim não poderia continuar escrevendo. E então conheci o que agora é meu segundo marido.

Pergunta: A senhora é Harry Potter? E a senhora mesma disse isso: “Harry é meu”. Sempre soube como ia acabar? Sempre soube que iam ser sete livros?
Resposta: Sempre soube o que ia acontecer. Desde o começo tinha toda a trama rascunhada, sem os detalhes, mas sempre soube que sua história iria terminar. E terminou, embora muitos fãs estejam tristes. Não há maneira de fazer ressurgir a história de Harry. Sua história terminou. Mas terminá-lo foi muito difícil. Foi devastador.

Pergunta: O final é comovente: “A cicatriz (de Harry) continuava ali e depois de 19 anos já não doía.”.
Resposta: É simbólico. Todos repetimos a mentira uma e outra vez: que o tempo cura tudo. E não é verdade. Há coisas que não se curam como quanto alguém a quem amas morre.

Pergunta: Escreveu também: “Harry Potter, o menino que sobreviveu”. Disse o professor, e disse que sobreviveu porque foi fiel às suas convicções, graças a isto venceu Voldemort. A senhora é assim?
Resposta: Gostaria de dizer que sim porque criei um herói com atributos heróicos. Li em algum lugar: “Um herói não é mais valente que os demais. É tão só valente durante cinco minutos mais…” Harry é assim.

Pergunta: Em todos os livros há a consciência de que alguém pode salvar-se se tem amigos, mas a história de Harry é também uma história de solidão.
Resposta: Estou totalmente de acordo. Dei a Harry minha falha, que é uma tendência a se fechar, se isolar quando estou sob pressão, triste ou feliz. Tendo a me isolar, mas sei que isto não é certo, que não é saudável. E isso dei ao Harry. Embora isso seja também o que o faz heróico, o que lhe prepara para agir por si só.

Pergunta: Harry é seu herói?
Resposta: Sim, bom, na vida real meu herói é Robert F. Kennedy. Criei um menino que tenta atuar com moralidade, que a pesar de haver sido agredido e maltratado física e mentalmente ainda continua atraído pelo lado bom das coisas. E é genuíno e leal, e eu acho heróica todas assas coisas.

Pergunta: As pessoas se fixam no dinheiro de sua vida, no quanto é rica, poucas vezes no ser humano; parece que eles enxergam com a varinha mágica, como Harry Potter.
Resposta: Lamentavelmente é assim. Quando vejo meu nome nas listas de gente poderosa, coisa que acho pouco, penso. O poder não é algo que desejava, e além do mais não tenho poder. Rica, sim, sou.

Pergunta: Imagine-se que por um instante tivesse a capacidade de se fazer de invisível.
Resposta: Fazer-se de invisível? Isso seria o melhor…