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Harry, Ron… e Emma

Harry, Ron... e EmmaHarry, Ron... e Emma
Hermione Granger é estudiosa, tem uma memória de elefante e, ainda por cima, é madura. Oh, o que falta para esta menina, meu Deus?
Sheila Vieira nos ajuda a entender o fascínio por trás desta personagem, ao falar de seu próprio fascínio por Hermy. O texto completo e os comentários a ele, você lê na extensão.


por Sheila Vieira

Hermione Granger é certamente uma personagem feminina de destaque na literatura infanto-juvenil. Rowling encarnou na menina trouxa, filha de dentistas, características que não somente destacam-na dentro do próprio universo de Harry Potter, mas também trazem um novo olhar sobre o papel de uma garota diante de amigos, inimigos e autoridades. Apesar de seu talento, Emma Watson, ao longo dos filmes, emprestou à amiga de Harry características suas que distorceram essas particularidades, aproximando Hermione dos clichês a que estamos acostumados a ver na tevê e em outros filmes dirigidos ao público jovem.

O que traz esse destaque à protagonista feminina da série é a sua própria função na história, além de determinadas feições: ela representa uma racionalidade que geralmente não se atribui a garotas. Sua eficiência como fonte de informações para as personagens (e leitores), visão da perspectiva de outras pessoas (como quando explica aos garotos os motivos da tristeza de Cho em ODF), compreensão de conhecimentos independentes do mundo mágico (ao decifrar a lógica das poções em PF), preocupação social (FALE), postura crítica em relação ao ensino (por exemplo, o abandono da aula de Trelawney) e a preocupação com uma postura ética determinam uma contraposição a Harry e Rony, que agem de forma extremamente impulsiva, fazendo inúmeros pré-julgamentos.

Talvez o momento mais emblemático dessa situação seja em ODF, quando Hermione tenta convencer um irracional Harry a considerar a hipótese de que Voldemort tivesse infiltrado a visão de Sirius no ministério em sua mente, apenas pra atraí-lo. O rapaz praticamente não considera a visão da amiga e a pressiona querendo ajuda. Além de manter-se calma, Hermione formula o plano, distribui as tarefas e impõe ao amigo que ele cheque a presença do padrinho em sua casa. Por mais que Harry não se identifique com a frieza dela, é geralmente a quem ele recorre a fim de conselhos, e não a Rony, que julga as situações de forma um pouco mais similar à dele, pois sabe que precisa de contraposições e respeita a opinião da amiga. Essa é a base da relação dos dois, que leva Harry a considerá-la uma irmã. O que simboliza mais a sensação de admiração e segurança do que a família?

Partindo dessa relação entre os dois chegamos à questão dos filmes e da abordagem de Hermione nestes. A maioria das pessoas com que converso que acompanham a série somente pelo cinema se surpreendem quando digo que a verdadeira relação de paixão da moça é com Rony. Essa impressão é perfeitamente compreensível, pois os diretores e roteiristas apostaram mais na interação entre ela e Harry, porém, ao invés de explorar a oposição de visão de mundo dos dois e como esse antagonismo de idéias os manteve vivos durante toda a jornada, optaram por focar a fragilidade de Hermione em situações de perigo do amigo. Ela parece ser mais carinhosa com Harry do que com Rony, o que faz todo sentido, mas não explicita bem que ela reprime (e às vezes falha ao reprimir) seus sentimentos pelo mais novo dos irmãos Weasley. A explicação para isso talvez seja que Emma visivelmente funciona melhor com Daniel nas cenas do que com Rupert, o que não tira méritos dele como ator, mas simplesmente não há química entre ele e Watson.

Outra questão importante em relação aos filmes e a Hermione tem a ver com a quebra das regras. Sem dúvida, a evolução da personagem está atrelada à influência dos amigos, fazendo-a perceber que algumas transgressões são necessárias. Mas isso é, até o fim da série, uma questão de extremo conflito para ela. A cada nova idéia de Harry, a garota responde refutando, para depois considerar e, às vezes, aceitar de forma receosa. Uma das poucas iniciativas “ilegais” da moça foi a Armada de Dumbledore, porém, apenas com o intuito de aprender mais sobre Defesa contra as Artes das Trevas. No entanto, ao vermos no trailer (algo que antecipa alguns bons momentos do filme) de ODF ela dizendo que é excitante quebrar as regras, percebemos que há um enfoque na adrenalina de seguir o rumo dos amigos e não no dilema ético que uma personagem que sempre exige moralidade dos outros enfrenta.

Nem entrarei muito no mérito da aparência de Hermione, pois é compreensível que no cinema a imagem das personagens seja a mais atraente possível, ainda mais no caso da principal figura feminina. As alterações nas roupas e no cabelo, que favorecem o aspecto visual de Emma na tela, são consideráveis, mas até houve um esforço para preservar certas características apresentadas nos livros. No entanto, é necessária a ressalva de que esse olhar dos filmes sobre Hermione é de responsabilidade não só de Watson, mas dos roteiristas, produtores e diretores. Ao vermos a entrevista da jovem atriz, não vemos nenhuma distinção entre ela e sua personagem. É natural que os intérpretes tragam seus elementos a seus papéis, mas, quando isso ocorre com alguém tão diferenciado na série e na literatura jovem atual, há uma perda de força da narrativa considerável. Admiro mais a garota que esclarece a Harry o porquê Rony tem ciúmes de sua popularidade do que a moça que abraça o amigo aos prantos antes dele enfrentar o Rabo-Córneo no Torneio Tribruxo.