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Entrevista exclusiva com Lia Wyler

Lia Wyler é a tradutora da série Harry Potter desde “Pedra Filosofal”. Lia não conhece J.K. Rowling pessoalmente, mas a autora, que como vocês sabem já foi casada com um português, aprovou a tradução de Lia para seus livros e disse que ela deveria traduzir até o fim. Como dissemos na sexta, conseguimos uma entrevista exclusiva com a Lia. E vocês que mandaram as perguntas no nosso fórum, Grimmauld Place, e por email. Escolhemos as melhores e vocês acompanham a entrevista logo abaixo.

Só pra explicar, provavelmente vai ter uma dificuldade com a tradução do título do sexto livro, por um motivo que contém spoilers e que só quem leu sabe. Perguntamos sobre isso para Lia, e fizemos o máximo para não contar nenhum spoiler. A resposta também não revela nada, fiquem sossegados.
E mais uma coisinha antes da entrevista, para quem pediu pra perguntar quando o livro será lançado no Brasil: Isso não depende da Lia, e sim da Editora Rocco. A Lia me disse que o prazo dela de entrega da tradução é até o dia 31 de outubro. Depois disso o livro passa por uma revisão, e aí é impresso, encadernado, e começam as vendas =D
E chega de enrolar… Para ler a entrevista, clique aqui.

Mais uma vez, obrigado à Lia pela entrevista.

Potterish.com – Qual é o processo de tradução dos livros? Como é sua rotina quando está trabalhando?
Lia – A rotina da tradução de qualquer livro é sempre a mesma: a gente traduz, e ao fim do dia de trabalho ou do capítulo coteja, isto é confere o original e a tradução para ver se não entendeu alguma coisa, se não saltou alguma linha, pesquisa as dúvidas, revisa e prossegue.
O que é diferente no Harry Potter — além do fato de eu gostar da série — é que, para acelerar o processo, mando diariamente à Editora a tradução do dia. Lá alguém verifica, sugere alterações e me devolve o texto; reviso as alterações (aceito ou não) e torno a mandar o texto à Editora.
Para poder fazer isso, acordo às 6h30, reviso o texto do dia anterior e o envio à Editora até as 10h30. Recomeço a traduzir, interrompo para o almoço e quando termino a quota diária, reviso as alterações feitas pela Editora no texto que retornou. Nesta primeira semana andei terminando aí pelas 19h, e ainda não deu para definir uma rotina “normal”.

Potterish.com – Depois de 5 anos acompanhando a série, a senhora se tornou fã ou continua encarando apenas profissionalmente? Costuma fazer teorias enquanto lê os livros?
Lia – Acho que a pergunta está mal formulada. Um tradutor não acompanha o livro de ficção que traduz. Eu não acompanho a série Harry Potter, eu recrio a série em português desde 1998. Se você se emocionou, riu, chorou, se identificou ou antipatizou com o jeito deste ou daquele personagem foi por que eu também me emocionei, ri, chorei, me identifiquei ou antipatizei com o jeito deste ou aquele personagem. Quanto a propor teorias, é claro que avalio a probabilidade disto ou daquilo acontecer, muito consciente do processo de criação da Rowling que sempre retoma nos livros novos os fios que deixou sugeridos nos livros anteriores.

Potterish.com – A tradução ao pé da letra do inglês para o português pode tornar-se confusa, pelas diferentes culturas dos países. Como lidar com isso?
Lia – A tradução ao pé da letra é um “aborto” por que não chega a fazer a ponte entre culturas que é o papel da tradução. Ninguém traduz apenas com as palavras que encontra no dicionário, precisa conhecer as duas culturas, o modo de ser, de se expressar, de recortar a realidade dos seus membros. Com a mundialização passamos a compreender muita coisa sobre outras culturas mas elas continuam a guardar diferenças muito profundas. Por outro lado, ninguém chega a dominar nem a própria cultura, por que línguas e culturas são dinâmicas, vão se transformando a cada dia sem a pessoa perceber e a cada dia é preciso atualizar o que se pensou que sabia.

Potterish.com – A partir do momento em que a senhora começou a traduzir os livros de J.K. Rowling e eles foram ficando famosos, seu nome ficou em maior evidência. Em conseqüência, mudou alguma coisa em sua vida pessoal e, principalmente, profissional?
Lia – Já traduzi outros livros de escritores famosos para adultos que foram noticiados pela mídia. O que mudou foi que, de repente, passei a ser conhecida por crianças e adolescentes. De repente, o tradutor, a quem normalmente ninguém presta atenção, passa a ser conhecido pelo nome e pelo trabalho que faz. De repente os brasileiros que lêem começaram a tomar consciência de que no Brasil se traduz, e muito, e até que se traduz desde que os europeus desembarcaram aqui, e mesmo antes, por na nossa terra viviam cento e tantas culturas indígenas que mantinham contato entre si e tinham até línguas-francas para se comunicar

Potterish.com – Hoje em dia podemos encontrar muitos livros (até mesmo de forma ilegal) na internet. Essa integração do mundo virtual com o mundo literário é cada vez maior. Qual a opinião da senhora sobre isso? Como é seu “relacionamento” com a internet?
Lia – Livro virtual e livro impresso produzem sensações distintas nas mãos e na cabeça do leitor, portanto vai depender do que o leitor está buscando. Compare uma biblioteca de 500 anos como a Biblioteca Nacional e o site Copérnico, por exemplo, não são a mesma coisa. Tenho um bom relacionamento com a Internet: é onde obtenho em segundos as informações de que preciso sem sair de casa. Mas, entrar em um sebo e encontrar um livro esgotado que marcou encontro com você naquele dia, naquela hora, é como dizem vocês, muito irado, cara!

Potterish.com – Essa pergunta não sei poderá ser respondida por ordens da Rocco, ou como eu li que a senhora lê os livros enquanto traduz, por não saber ainda a história do “half blood Prince”. Enfim, realmente é necessário acabar o livro para saber do que se trata. Caso a senhora já saiba, claro que não vou estragar sua surpresa, pode nos dizer afinal qual será o título de “Harry Potter and the Half Blood Prince” em português?
Lia – Eu realmente disse que leio enquanto traduzo, mas também disse que no dia 18 de julho eu já conheceria a trama do Harry Potter 6 em linhas gerais, por que a mídia se encarregaria de sua divulgação: Sei quem é o príncipe mestiço e sei como se transformou em príncipe, agora a questão é encontrar um título que não seja um spoiler mas englobe as duas idéias ou partir para outra solução.