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Harry Potter e a religião

Harry Potter e a religiãoHarry Potter e a religião
O Vaticano desaconselha a leitura de Harry Potter. O que uma cristã crítica pode pensar do caso? Larissa Almeida, nossa colunista, nos dá uma pista.
Em seu texto, Larissa defende a opinião de que um pouco (ou muito) de imaginação não faz mal a ninguém. O texto completo, você lê na seqüência, no post completo. Deixe seu comentário: ele é importante como feedback para nossos escritores.


por Larissa Almeida

É fato inquestionável que Harry Potter causa grande polêmica no quesito religioso. A obra é condenada por diversos líderes cristãos, mas qual seria o motivo de tanta censura? O papa Bento XVI afirma que a história “exerce uma sedução sutil e profunda que corrompe a alma dos jovens cristãos antes mesmo que ela seja completamente formada”.

Analisando a afirmação, concordo com a primeira parte. Quem pode negar que os livros ‘seduzem’ os leitores? A saga é um fenômeno literário que conquistou milhões de fãs pelo mundo –isso é irrefutável. Mas se os livros nos encantam de tal forma, este fato deve-se somente à capacidade ímpar que J.K. Rowling tem na arte de escrever fantasia.

Quanto a ‘corromper a alma dos jovens cristãos’, é algo de que realmente discordo. Não falo só na condição de fã da série, mas na de cristã, também. Religião é um ponto muito delicado a se debater, pois cada um crê naquilo que vai de acordo com seus princípios. Mas eu me pergunto que argumentos poderiam basear esta afirmação do papa e não consigo chegar a algum plausível.

Pode ser que a Igreja julgue mal os livros por tratarem de magia (que é algo condenado pela Bíblia), mas eu acredito que se for essa a razão da censura, há uma interpretação equivocada. O próprio jornal do Vaticano fez uma matéria em que contrapôs a posição do papa e a opinião de um escritor católico. O tal escritor confronta a figura máxima da Igreja Católica: “Através das aventuras mirabolantes dos diversos personagens, é possível entrever a visão antropológica do autor que, em um mundo pós-moderno e individualista, busca convencer o jovem leitor que fazer o bem é a melhor coisa a se fazer”.

Em entrevista [ao Salon], o Reverendo Don Peter Fleetwood, da Inglaterra, diz que a luta entre o bem e o mal (e a vitória do bem) dos livros são condizentes com a fé cristã: “Não há aqui neste recinto quem tenha crescido com um imaginário sem fadas, magia ou anjos. Eles não são maus, não servem como propaganda anticristã”.

Ambas as declarações acima reforçam o meu modo de pensar. Crianças católicas, evangélicas, ou de qualquer outra religião, leram os livros; mas isso não significa que tenham deixado de crer naquilo que suas doutrinas propagam. Se Harry Potter chegou a influenciar os leitores de alguma forma, foi para lhes dar lições. Não dessas que se encontra em Livro padrão de feitiços, História da magia ou Mil ervas e fungos mágicos, mas lições que tanto bruxos quanto trouxas deveriam seguir. Acredito que J.K. Rowling quis nos ensinar mais que feitiços, ela quis que aprendêssemos que a magia mais poderosa não está numa varinha, e sim dentro de nós. Ela nos mostra que amor é o poder mais forte que existe e que amizade e união são indispensáveis. Ela nos faz ver que são nossas escolhas que realmente definem quem somos, muito mais que nossas habilidades. Ela nos ensina a lidar com a perda, a nunca deixar de ter esperança, a tratar todos com igualdade e respeito. Ela nos induz a ir em busca do que queremos e a acreditarmos mais em nós mesmos. E ela nos mostra que, mesmo com toda a maldade, miséria, corrupção e desigualdade que existem, ainda é possível fazer algum bem no mundo.

Não vejo motivos para a Igreja condenar Harry Potter como anti-religioso. Ao invés disso, vejo muitos princípios religiosos implícitos nos livros. Acredito que ou estejam julgando algo que não conhecem por completo, ou estejam fazendo uma interpretação errônea das palavras de uma escritora que só nos deu belas lições.

Larissa Almeida é colunista do Potterish, cristã e (oras!) leitora de Harry Potter.